Os atletas são os novos super-heróis
Nessa edição mensal, resolvi juntar duas coisas que eu gosto muito: Esporte e Super-Heróis. Nada de novo se você já me acompanha por aqui, sempre falando sobre esporte e cultura pop, passando por consumo, moda e tendências.
Então te convido a seguir comigo nessa leitura. Aqui não precisa saber o nome de todos os Vingadores, nem sequer gostar de filmes de super-herói, pois o foco vai ser outro, prometo.
Você pode até não saber qual é o último filme do Batman ou quem morreu na saga dos Vingadores, mas é impossível negar o impacto da cultura geek na última década. Desde 2008, com o primeiro Homem de Ferro, fomos inundados por filmes de heróis, CGI e até mesmo passamos a usar o termo “multiverso” com frequência. Crianças queriam bonecos do Hulk ou a armadura do Homem de Ferro (adultos também, risos). A cultura pop de heróis virou uma imensa indústria lucrativa de produtos e licenciamento, e a Marvel, assim como a DC, souberam vender bem essa fórmula.
O ápice? Talvez ali em 2018 ou 2019, com o hype de Vingadores: Ultimato, Aquaman e Coringa. A partir dali, a indústria, ainda aquecida, tentou seguir com novas histórias. Tudo que veio depois pareceu uma sequência de tentativas. Veio a era do streaming, spin-offs, e algumas séries que eu afirmo que agregaram muito, como WandaVision e Loki. Mas é fato que os filmes lançados a partir de 2020 foram, em grande parte, um fiasco. Thor: Amor e Trovão, por exemplo, me fez querer pedir meu dinheiro de volta. Sério. Talvez as duas horas mais difíceis que já enfrentei em uma sessão de cinema. Alguns filmes até tentaram mudar a narrativa, seguindo um tom mais sombrio, como The Batman ou Coringa. Com exceção do segundo filme do Coringa, sem hate, mas é longe do potencial que poderia alcançar. DC is devastated.
Mais do que um hábito, ficar na sala de cinema até o último segundo virou ritual. Cena pós-crédito, pista solta, aparição surpresa, possível spoiler do que viria. Tentávamos pescar pequenos fragmentos enquanto as luzes ainda não se acendiam. Tudo isso criou uma indústria extremamente rentável em torno dos super-heróis. Funcionou por muito tempo. Mas o fervor diminuiu. E a gente, de alguma forma, também cansou e o interesse diminuiu.
Foi assistindo ao último filme da Marvel, Thunderbolts, que me caiu a ficha: Os super-heróis não deixaram de ser legais, a gente só passou a ver os atletas como os novos heróis da vez.
Os filmes de super-herói cumpriram e muito bem seu papel de entretenimento na última década. Não acho que vão desaparecer. Pelo contrário. Mas a indústria está em movimento. E nem dá para chamar de reinvenção, porque não param de sair reboots, de animações infantis a clássicos dos anos 90. Star Wars segue sendo revirado, Jurassic Park, ressuscitado, Senhor dos Anéis, voltando, e agora, em um mundo de IA, Matrix está chegando. (E sim, estou hypado por todos).
Mas se 2019 foi o último suspiro do multiverso, 2020 foi a última dança. Literalmente. The Last Dance chegou no auge do isolamento causado pela pandemia.
Jordan, Bulls, os anos 90. No momento mais incerto do presente, nos agarramos ao passado. Ali deu início a uma outra fase: a do atleta como ídolo nas telas. O herói real. Sem dublê, com suor, treinos, obsessão e lesões.
Os Atletas são os verdadeiros Super Herois do Momento
Foi ali, em pleno cenário pandêmico, que começou um novo ciclo para a indústria de conteúdos esportivos. Documentários, filmes e séries abriram espaço para uma conexão diferente com o esporte. Nos aproximamos de modalidades que talvez nunca tenhamos praticado, apenas assistindo. E com certeza teve algum esporte que você passou a acompanhar sem nunca ter jogado.
Você estava trancado em um cômodo, mas admirava os atletas por meio das telas. Documentários, redes sociais, entrevistas, bastidores. Eles estavam ali, no seu feed, compartilhando treinos, dores, quedas e vitórias. Aquilo inspirava. Dava vontade de sair, de se movimentar. E não foi só inspiração: as vendas do Air Jordan 1 dispararam meses depois de The Last Dance. A moda esportiva explodiu. O lifestyle do atleta virou desejo.
Naomi Osaka e Simone Biles, por exemplo, trouxeram a saúde mental para o centro das conversas. E a gente ouviu. O tema não veio da fala de um ator premiado, nem de um bilionário coach do Vale do Silício, mas de figuras humanas, pessoas reais, demonstrando fragilidade e dor. Gente tentando vencer em suas modalidades, com o mundo inteiro assistindo... e muita gente torcendo a favor ou contra.
De repente, o atleta virou espelho. A queda, a lesão, a volta por cima. Tudo isso passou a comover mais do que qualquer batalha intergaláctica.
Agora, trazendo para um mundo ainda mais realista: tire o esporte e coloque a sua vida nesse contexto. Esses desafios estão na carreira, na família, na pressão do dia a dia, nos casamentos, nos boletos, nos filhos. E talvez por isso a gente tenha começado a enxergar o atleta como herói. Não porque voa, mas porque aguenta, sofre, chora — sem usar uma armadura. Só com um uniforme, igual ao que a gente veste todo dia. Só que de outro jeito.
Paris 2024
Com o fim do isolamento causado pela pandemia e a volta dos grandes eventos esportivos, como a Copa do Mundo e principalmente as Olimpíadas da França, reacendeu-se a paixão por acompanhar grandes competições.
Todo mundo parou em algum momento para acompanhar, torcer e até mesmo julgar, criticar ou elogiar as roupas dos atletas. Tudo em volta das Olimpíadas virou uma obsessão. O país inteiro acompanhou e torceu por Rebeca Andrade no duelo com Simone Biles, ou por Beatriz Souza no judô. O Instagram ficou cheio de memes. A seleção americana de basquete foi hypada com o possível renascimento de um novo Dream Team. Tudo isso nos aproximou ainda mais dos atletas, com uma conexão humana e real.
Mercado de streaming digital
E as plataformas perceberam. Netflix, Prime Video, Star+, Disney+. Todas passaram a investir em documentários, bastidores, histórias. O crescimento do conteúdo esportivo foi o maior entre todas as categorias de streaming. A Disney, que um dia reinou com super-heróis, agora integra a ESPN direto no app do Disney+. Isso não é coincidência.
E os criadores de conteúdo também entenderam o valor de estar perto dos atletas. Um exemplo? No vídeo viral em que Speed, o maior streamer do mundo, desafia o velocista americano Noah Lyles, campeão olímpico dos 100 metros, para uma corrida de 50 metros. O resultado? Um vídeo que correu mais rápido que os dois juntos, com 1,4 milhão de likes e uma avalanche de compartilhamentos.
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Jornada do herói
A evolução tecnológica nos aproximou ainda mais dos atletas. Hoje, não vemos eles apenas em competições, jogos ou disputas. Muitos se tornaram também influenciadores e criadores de conteúdo. A gente acompanha tudo: treinos, viagens, momentos de lazer, tempo com a família, com os filhos ou parceiros. Tudo ali, sem CGI, sem armadura, e na palma da mão. Alguns expandiram suas vozes em podcasts. Outros foram além, criaram newsletters onde compartilham ideias, pensamentos e posicionamentos sobre o mundo ao redor.
Vibramos com suas vitórias, postamos, exaltamos e torcemos por suas recuperações quando se lesionam. Diante de qualquer forma de violência ou preconceito contra o atleta (nosso herói), nossa resposta é imediata e pública.
E, muitas vezes, nem é um esporte que acompanhamos ou uma modalidade pela qual torcemos. Mas estamos tão conectados que passamos a consumir tudo: a competição, o conteúdo, a pessoa e também os produtos que eles usam.
E quem não quer ser um super-herói?
Se antes existia uma grande diferença entre o material esportivo usado pelos atletas e o que era acessível para nós, meros mortais, pseudos praticantes com raras exceções, hoje podemos ter praticamente todo o traje e equipamento que eles usam.
Quer correr mais rápido? Você pode ter o mesmo tênis do Kipchoge, os óculos “corta pace”, a chuteira do Haaland, a raquete do seu tenista favorito. O mesmo tênis que Anthony Edwards usou no último jogo dos playoffs já está disponível. Até mesmo as camisas dos jogadores de futebol, que antes eram vendidas apenas na versão “torcedor”, hoje, se você estiver disposto a desembolsar um pouco mais, podem ser compradas na mesma versão que os jogadores usam em campo.
No fim, o que nos separa deles é o talento e a habilidade. Quase todo o resto pode ser parcelado no cartão. É o famoso sair fantasiado. Nada contra, todo mundo usa o que quer, mas essa analogia se encaixa perfeitamente aqui.
IronMan da vida real
Enquanto o Tony Stark da ficção vestia armaduras, o Ironman da vida real ganha cada vez mais adeptos. São 3,8 km de natação, 180 km de bike e 42 km de corrida. Essa é a batalha de cada participante. Em 2024, as inscrições para provas longas da franquia Ironman cresceram mais de 20%. CEOs, criativos, gente comum — todos buscando o selo de finisher. O herói de hoje também pode ser você ou alguém que você conhece.
Consumimos conteúdos, stories, entrevistas, bens materiais, vinhos, bebidas energéticas, livros, aplicativos de meditação como o Calm, do LeBron James, Herbalife do Cristiano Ronaldo, cursos como o MasterClass com Stephen Curry sobre liderança e performance. Em resumo, a distância entre você e seu herói está cada vez mais curta.
Postamos os gols. Choramos com as lesões. Celebramos os retornos. Defendemos publicamente quando eles sofrem ataques, sejam físicos, psicológicos ou morais. Porque agora, o atleta é mais do que atleta. Ele é o assunto, é ídolo, é símbolo.
E se a Marvel criou um multiverso, o esporte criou algo maior: identificação.
Os atletas são os novos super-heróis.
O texto de hoje termina com uma seleção especial. Se você chegou até aqui, fica o convite para continuar nessa jornada com os atletas. Separei algumas séries e filmes esportivos que valem a maratona:
Sprint (Netflix)
O documentário mostra o universo intenso dos velocistas de elite, com foco nos bastidores do Mundial de Atletismo. Para mim, Noah Lyles e Sha’Carri Richardson são a personificacao do novo atleta, trabalham imagem, estilo e falas reais, tudo isso com alta performance.
The Rise and Fall of AND1 (Netflix)
A ascensão e queda da marca AND1 que transformou o streetball em fenômeno global. Basquete, identidade e marketing, puro suco dos anos 2000.
Naomi Osaka (Netflix)
Um olhar sobre a trajetória de uma das tenistas mais influentes da nova geração. A série aborda o tênis, mas também fala sobre ativismo, identidade e saúde mental.
Stephen Curry: Underrated (Apple TV+)
Uma aula sobre como ser desacreditado pode virar a melhor motivação. É a história de um real underdog. Eu mesmo não sou o maior fã do Curry, mas esse doc é muito bom.
Break Point (Netflix)
Dos bastidores ao vestiário, o doc mostra o circuito do tênis por um ângulo mais humano. Tem pressão, lesão, colapso mental, vitórias e derrotas. É tipo um Fórmula 1: Drive to Survive, mas com raquete.
Greatness Code (Apple TV+)
Episódios curtos, visualmente bonitos e bem feitos, com grandes atletas revisitando o momento mais importante de suas carreiras.
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